quinta-feira, 21 de abril de 2011

palavra                                            lê

paisagem                            contempla

cinema                                     assiste

cena                                              vê

cor                                        enxerga

corpo                                   observa

luz                                      vislumbra

vulto                                        avista

alvo                                           mira

céu                                        admira

célula                                   examina

detalhe                                       nota

imagem                                       fita

olho                                          olha


(Arnaldo Antunes)

O enigma

As pedras caminhavam pela estrada. Eis que uma forma obscura lhes barra o caminho. Elas se interrogam, e à sua experiência mais particular. Conheciam outras formas deambulantes, e o perigo de cada objeto em circulação na terra. Aquele, todavia, em nada se assemelha às imagens trituradas pela experiência, prisioneiras do hábito ou domadas pelo instinto imemorial das pedras. As pedras detêm-se. No esforço de compreender, chegam a imobilizar-se de todo. E na contenção desse instante, fixam-se as pedras - para sempre- no chão, compondo montanhas colossais, ou simples e estupefatos e pobres seixos desgarrados.
Mas a coisa sombria- desmesurada, por sua vez- aí está, a maneira dos enigmas não se decifrarem a si próprios. Carecem de argúcia alheia, que os liberte de sua confusão amaldiçoada. E repelem-na ao mesmo tempo, tal é a condição dos enigmas. Esse travou o avanço das pedras, rebanho desprevenido, e amanhã fixará por igual as árvores, enquanto não chega o dia dos ventos, e o dos pássaros, e o do ar pululante de insetos e vibrações, e o de toda vida, e o da mesma capacidade universal de se corresponder e se completar, que sobrevive à consciência. O enigma tende a paralisar o mundo.
Talvez que a enorme Coisa sofra na intimidade de suas fibras, mas não se compadece nem de si nem daqueles que reduz à congelada expectação.
Ai! de que serve a inteligência- lastimam-se as pedras. Nós éramos inteligente; contudo, pensar a ameaça não é removê-la; é criá-la.
Ai! de que serve a sensibilidade- choram as pedras. Nós éramos sensíveis, e o dom de misericórdia se volta contra nós, quando contávamos aplicá-lo a espécies menos favorecidas.
Anoitece, e o luar, modulado de dolentes canções que preexistem aos instrumentos de música, espalha no côncavo, já pleno de serras abruptas e de ignoradas jazidas, melancólica moleza.
Mas a Coisa interceptante não se resolve. Barra o caminho e medita, obscura.

( Carlos Drummond)