domingo, 19 de dezembro de 2010

"A luz delirava, apressada a um vago aviso de tarde. Era tal e tanta que embaçava de ouro a amplidão. Se via tudo longe num halo que divinizava e afastava as coisas mais. Lassitude. No quiriri tecido de ruidinhos abafados, a cidade se movia pesada, lerda. O mar parara azul. [...]
Fräulein botara os braços cruzados no parapeito de pedra, fincara o mento aí, nas carnes rijas. E se perdia. Os olhos dela pouco a pouco se fecharam, cega duma vez. A razão pouco a pouco escapou. Desapareceu por fim, escorraçada pela vida excessiva dos sentidos. Das partes profundas do ser lhe vinham apelos vagos e decretos fracionados. Se misturavam animalidades e invenções geniais.[...] Adquirira enfim uma alma vegetal."

(Amar, verbo intransitivo
Mário de Andrade)

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